Uma palavra imensa
Depois de chegada a tal inspiração, e juro uma vez mais que nunca sei de onde vem ou quando vem, o processo de escrita é para mim muito parecido com o da leitura - imagens começam a desfilar na minha cabeça, vejo os lugares, as vistas, as pessoas e, se estiver em dia mesmo afinado, até sinto os cheiros e toco nos objectos. Acabar de ler uma história ou acabar de escrever uma história tem como base a mesma emoção, o gostinho que aquele pedaço já me pertence e que eu já pertenço ao universo daquelas páginas - se já por lá passei, então já é para sempre meu. Ainda assim, escrever tem, apesar de tudo, uma força maior porque sai de mim, isto soa estranho mas é verdade :). Durante o campeonato de escrita recebi um dia a instrução para começar uma história com a palavra "sabes". Lembro-me de pensar na altura que a palavra "sabes" dava para tudo, era imensa - hoje percebo que esse foi sempre o grande desafio da competição, vestir palavras que, afinal, dão para tudo porque surgem na nossa folha em branco. Não vou desvendar muito para onde o "sabes" me levou, apenas vos digo que lhe percebi naquele dia um valor grande, gigante - se "sabes", podes. Podes ir, ficar, rir, andar, abraçar. Podes tudo, até recordar, acordar e não querer mais saber de nada.
"Sabes que estás sozinho quando perguntas tantas vezes de que vale a vida sem a tua pessoa, faço tudo da mesma maneira desde aquela maldita manhã, acordo às oito, saio para comer o mesmo croissant de sempre, ando pairando sobre os dias, as costas vergadas à solidão, essa cadela que me morde dia e noite.
Partiste-me."
in Não te esqueças de Sentir